terça-feira, 15 de novembro de 2011

Geógrafo e Sociólogo confirma o que os catadores já sabem: Incinerdores não ajudam em nada o nosso país

 

Fonte: Jornal O Vale de SÃO JOSÉ DOS CAMPOS


Enquanto o governo do Estado e pelo menos três prefeituras do Vale do Paraíba defendem a instalação de usinas de recuperação energética a partir do lixo, com tecnologias que envolvem incineradores, o geógrafo e sociólogo Maurício Waldman afirma que o país não está preparado para a implantar essas tecnologias.
"O argumento que estaríamos imitando o Primeiro Mundo ao adotarmos incineradores com recuperação de energia é mal-intencionado ou, no mínimo, decorrente da desinformação", afirmou.
Autor do livro "Lixo: Cenários e Desafios", finalista no prêmio Jabuti deste ano, Waldman concedeu entrevista a O VALE
afirmando que as políticas públicas acerca do lixo estão equivocadas.
Na região, São José, Taubaté e São Sebastião estudam a implantação de usinas para controlar o lixo.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O lixo é hoje um dos grandes gargalos dos municípios. A cada dia, o volume de detritos aumenta. Como devemos pensar o lixo para que sua produção seja controlada?
Uma gestão de excelência dos resíduos sólidos deve, primeiramente, encarar o fato de que os rejeitos não podem ser conceitualmente restringidos à condição de um "resultado final" dos processos de produção, circulação e consumo. Conceitualmente, supor que a logística de gerenciamento do lixo se inicia com o saquinho colocado na calçada é um equívoco grave.
O lixo integra um amplo e complexo modelo de relação com a natureza. Os resíduos, sendo o retrato da sociedade, além de não poderem ser restritos à condição de "aquilo que sobra", envolvem muitas outras declinações: sociais, culturais, econômicas, históricas, geográficas e políticas.
Como o Estado deve conduzir as políticas de controle do lixo?
A expansão da geração do lixo urbano não tem sido acompanhada da aplicação de políticas minimamente contemporâneas. A gestão dos resíduos é, como sempre foi, objeto de políticas imediatistas, muitas vezes devassadas pela corrupção. No geral, as estratégias adotadas são aquelas que menos exigem do aparato burocrático, que autoproclamou ser sua missão dedicar-se exclusivamente à simples desaparição do lixo, o que explica sua apaixonada defesa da incineração.
O lixo deve pressupor políticas que estejam voltadas para a mudança de atitudes. Uma cidade mais limpa não é aquela que mais se varre, mais sim a que menos se suja. Nessa perspectiva, uma pedra de toque seria, por exemplo, a educação ambiental.
Até que ponto o Estado deve assumir responsabilidades com o consumo consciente?
Cada brasileiro gera hoje em dia uma média de 3,5 quilos de lixo proveniente de equipamentos eletroeletrônicos por ano. É muito! O cidadão tem que ter consciência de que não faz sentido trocar de celular só porque a versão mais moderna tem uma luzinha que pisca durante a ligação.
Outro dia comprei uma caixa de chocolates que tinha seis camadas de embalagens. Para que tudo isso?
A simples recusa de produtos "blindados" com múltiplas embalagens pode reduzir em até 50% o lixo gerado nas cidades, favorecendo a qualidade do ar, economizando energia, preservando as águas e as propriedades do solo.
Claro que um consumo responsável não teria na roda apenas as expectativas do cidadão e da indústria, mas necessariamente as do Estado, a quem cabe formular políticas, aplicá-las e fiscalizá-las.
Para destinação final do lixo, quais são os modelos mais interessantes aos municípios?
É necessário apoiar com muito mais ênfase a recuperação dos materiais descartados. Além de poupar espaço nos aterros e impedir a geração de efluentes gasosos indesejáveis provenientes da queima do lixo, a reciclagem gera trabalho, renda e atenua os impactos ambientais.
Isso implica em políticas públicas de apoio ao trabalho dos catadores. Hoje, somente 1,9% de recuperação dos recicláveis é proveniente da coleta das prefeituras.
Os catadores, que respondem pelos outros 98%, deram conta em 2008 de 7,1 milhões de toneladas de resíduos secos, cerca de 13% do total urbano nacional.
Como o senhor avalia os incineradores de lixo? Eles são importantes para o desenvolvimento do país, considerando seu retorno em energia?
Não faço parte do time dos que diabolizam os incineradores. Contudo, não concordo com os termos como esse debate tem sido colocado. Considero falacioso defender a utilização da energia do lixo, assim como das usinas nucleares e hidrelétricas, quando vivemos no maior país solar do mundo. José Walter Bautista Vidal, considerado uma das melhores massas cinzentas da engenharia nacional, recorda que o Brasil recebe do Sol, por dia, energia equivalente a 320.000 hidrelétricas de Itaipu! Isso todo o santo dia! Porém, onde estão os projetos de energia solar? Onde?
O argumento que estaríamos imitando o Primeiro Mundo ao adotarmos incineradores com recuperação de energia é mal-intencionado ou, no mínimo, decorrente da desinformação. Alemanha, Bélgica, Suécia, Irlanda, Holanda e Estados Unidos certamente possuem incineradores. Mas, nesses países, os índices de reciclagem variam entre 31% e 48%. O Brasil ainda patina em míseros 13%! Além disso, os resíduos brasileiros são por sinal tipificados por uma enorme proporção de matéria orgânica, que comprometem a eficiência dos incineradores. Certo é que existe a possibilidade de separação nas usinas. Mas esse trabalho é comprometido pela própria miscelânea prévia do lixo nos caminhões compactadores. Para complicar, se nem o monitoramento usual de resíduos a administração pública brasileira consegue levar adiante, o que dizer então de equipamentos complexos e perigosos como os incineradores? São questionamentos que não querem calar!

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