domingo, 14 de agosto de 2011

Incinerar é queimar dinheiro

 

Coordenadora do Projeto Brasil Canadá dá entrevista sobre incineração ao jornal Folha Universal. A conclusão da jornalista está mais do que certa: incinerar é o mesmo que queimar dinheiro, já que o lixo é uma fonte de recursos para indústria e fonte de renda para milhares de trabalhores.

Veja abaixo a matéria na íntegra.

Fonte: http://www.folhauniversal.com.br/brasil/noticias/queimando_dinheiro-6835.html

Queimando dinheiro

Em vez de investir em reciclagem, cidades optam por usinas de incineração. Lixo que poderia ser reaproveitado vira fumaça

Gisele Brito

gisele.brito@folhauniversal.com.br

Depois de 19 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi aprovada no ano passado com festa pelos ambientalistas. No entanto, uma modificação de última hora permitiu a adoção da incineração do lixo como uma alternativa que passou a ser considerada de forma corriqueira por diversas cidades em todo o Brasil. Em vez de investir em programas de coleta seletiva, muitas prefeituras têm projetos para construir usinas de incineração, apresentadas como solução “verde”. Especialistas, porém, afirmam que o custo para se implantar uma usina é maior aos ganhos econômicos, sociais e ambientais da reciclagem. “Retirar a matéria-prima do meio ambiente é mais caro do que reaproveitá-la”, afirma Jutta Gutberlet, professora e coordenadora do projeto de coleta seletiva Brasil-Canadá.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a reciclagem de apenas 2,4% de todo o lixo produzido no Brasil por ano representa economia de recursos de R$ 1,3 bilhão a R$ 3 bilhões. Tal valor poderia ser de R$ 8 bilhões se todos os resíduos sólidos urbanos como plásticos fossem reciclados.

Um exemplo dos problemas decorrentes da adoção da incineração é o que acontece em Unaí, em Minas Gerais. Na cidade, uma pequena usina transforma o lixo queimado em tijolos de carvão usados em siderúrgicas. Segundo o Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis (MNCR), a unidade tem inviabilizado a reciclagem, já que até os catadores vendem o material para alimentar o fogo.

Em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, a Prefeitura pretende montar uma usina com capacidade para queimar 650 toneladas por dia de lixo. O investimento, dizem as autoridades, virá acompanhado de programas para aumentar a reciclagem de 1% de tudo que é descartado para 10% em 2017. Mesmo assim, o projeto gera desconfiança. “Eles vão queimar os postos de trabalho que a reciclagem cria”, argumenta Maria Mônica da Silva, de 38 anos, catadora e membro da articulação estadual do MNCR. Ela lembra que, para atingir temperaturas elevadas, é preciso que o material queimado seja rico em papel e plástico, dois materiais recicláveis. A incineração antecipa o fim da vida útil de produtos e não evita que novas matérias-primas sejam retiradas do meio ambiente. “É um problema muito complexo que envolve saúde, meio ambiente e economia”, destaca.

A administração municipal afirma que o modelo é seguro e não polui, e menciona a prática da queima do lixo em países como Dinamarca e França para garantir sua eficiência. O processo realmente é bastante difundido na Europa. No entanto, desde 2000, comissões da União Europeia tem desmotivado tal alternativa, em função da poluição que a fumaça da queima dos resíduos emite no ar, mesmo com rigoroso tratamento a que ela é submetida. “É um método muito usado, mas também muito questionado pela sociedade”, afirma a professora Jutta. “Algumas substâncias, principalmente as dioxinas e os furanos são dificílimas e caras de serem contidas dentro das chaminés. E já se sabe que elas têm alto potencial cancerígeno”, completa.

No Brasil, cerca de 60% do lixo é matéria orgânica, como restos de comida, resíduos que não produzem calor suficiente. O restante pode ser reciclado, com exceção de uma pequena parcela inaproveitável. “Nós lutamos para que se amplie a reciclagem e se diminua a produção e o consumo de materiais que não podem ser reaproveitados, porque eles são danosos ao planeta”, explica Jutta.

Para ela, além de não resolver os problemas relacionados ao lixo, a incineração cria outros. “Ainda será necessário dar destino para as cinzas tóxicas que representam 25% do que é queimado e cria um problema social sério porque prejudica os catadores e as empresas de reciclagem”, afirma.

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